Presos no HPS
Rotina de insegurança
FERNANDA LEONEL E ANA CLÁUDIA BARROS
Repórteres
* colaborou Fernanda Sanglard
“Eu saio de casa todos os dias temendo pelo que pode acontecer comigo ou com colegas de trabalho durante o expediente. O medo reina. Somos obrigados a enfrentar, sem direito de escolha, um clima de presídio”. É assim que um médico do Hospital de Pronto Socorro (HPS) define sua rotina de trabalho, diante da imposição do Judiciário de transferir presos com necessidade de tratamento para a unidade. Rodeado de outros profissionais, no terceiro andar, onde mais de 50% das vagas da enfermaria masculina são ocupadas por detentos, ele é mais um dos que reclamam do ambiente de trabalho e dos prejuízos para a população com esta superlotação. Entre os 32 presos que ocupam os 62 leitos masculinos, estão acautelados de altíssima periculosidade, conforme classificação da Justiça que os enviou para tratamento. Há psicopatas, envolvidos em crimes hediondos e assassinos confessos, como D., de 32 anos. Ele matou a madrinha que o criou, com requintes de crueldade, e ameaçou o filho da vítima, que vive apreensivo com a possibilidade de fuga do acautelado, já que cinco escaparam nos últimos tempos. Um enfermeiro compartilha da mesma preocupação: “Tenho medo de ser feito refém em uma próxima.”
Acuados, os profissionais só atendem os presos em grupo, com receio de ataques ou pressões psicológicas. “Já houve tentativas de agressão. Eles fazem ameaças e ‘jogam’ com o equilíbrio da gente”, ressalta uma enfermeira. Os 32 presos são escoltados por seis homens e um inspetor. O número de agentes, determinado pela Justiça, é considerado aquém do necessário pelos profissionais de saúde. Em ações, como deslocamento do presídio até o hospital, a Lei de Execuções Penais determina dois agentes por acautelado. “Já houve quebradeira, e os agentes tiveram dificuldade para detê-los”, destaca uma assistente social. Outro problema é o desconhecimento, por parte da instituição, do tipo de crime cometido por cada detento. Como ressalta o diretor geral do HPS, Geraldo Luiz Dilly, eles recebem apenas a medida preventiva com a ordem judicial de internamento, sem o histórico do novo paciente. “Poderíamos separar os mais perigosos, ou nos prepararmos melhor para algum atendimento.”
Secretaria vai avaliar caso a casoApesar da rotina de medo vivida pelos profissionais de saúde do HPS e dos impactos causados no atendimento à população consequentes da superlotação da enfermaria da unidade, a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) afirma que os presos precisam continuar no hospital. Em nota, o subsecretário de Administração Prisional de Minas Gerais, Genílson Zeferino, destaca a proibição, por meio de lei e de decreto estadual, da construção de novos leitos para tratamento de pessoas com transtorno mental, como uma das justificativas para a grande ocupação do HPS por detentos. No hospital, praticamente todos os acautelados internados estão em tratamento psiquiátrico. Genílson também destaca que está sendo constituída uma equipe multidisciplinar e interinstitucional que irá avaliar caso a caso dos presos doentes do HPS, para, a partir daí, devolver os presos para as prisões ou para as unidades penais hospitalares. “A situação de Juiz de Fora é atípica na medida em que a média de demanda por internação de presos por determinação judicial é muito mais elevada que em outros municípios de Minas.”
Rebatendo a crítica de funcionários, a secretaria classifica a ocupação do HPS como segura e afirma que todos os procedimentos estão sendo cumpridos. Já o juiz da Vara de Execuções Penais, Amaury de Lima, responsável pela determinação do número de agentes que faz a escolta dos presos no HPS, está de licença médica e preferiu não comentar o assunto. Amaury também tenta angariar um mutirão de médicos psiquiatras para nova avaliação dos detentos e possível transferência dos mesmos. Até ontem, não haviam nomeações formais. Na segunda-feira, a secretária de Saúde, Eunice Dantas, prometeu o envio de um profissional do município para este projeto.
Propostas de saída dos presos serão avaliadas pela SaúdeNa tentativa de resolver o problema da superlotação de presos no HPS, algumas propostas vêm sendo apontadas. A secretária de Saúde, Eunice Dantas, disse que a pasta avalia uma oferta da Casa de Saúde Aragão Villar de abertura de nova ala para tratamento de detentos com problemas psiquiátricos. No entanto, não sabe se, legalmente, este tipo de convênio, que aconteceria via Estado, é possível. Já o Fórum de Direitos Humanos de Juiz de Fora entregará, a Secretaria de Saúde, um pedido de transferência dos detentos de outras cidades que hoje são tratados no Hospital de Toxicômanos. “A situação ficou caótica. Por isso entendemos que cada município deve arcar com seus presos doentes. A intenção é liberarmos vagas no Toxicômanos para a transferência dos acautelados do HPS”, afirma Cristina Guerra, membro do fórum e da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da OAB.
O Sindicato dos Médicos promete encaminhar denúncia ao Ministério Público. “Esta situação começou a se agravar no segundo semestre do ano passado e, agora, tomou uma proporção que não dá mais para continuar. A segurança dos funcionários está comprometida com a superlotação. É claro que os presos têm direito ao atendimento, mas não naquele espaço.”
Como a Tribuna já denunciou, cerca de 20 cirurgias eletivas realizadas, por semana, no HPS, estão temporariamente suspensas pela falta de leitos na enfermaria masculina. Pacientes com tuberculose também são tratados sem isolamento, por falta de quartos, descumprindo padrões da Organização Mundial de Saúde (OMS).
ENTREVISTA/R., artista plástico
A polêmica em torno dos presos que estão no HPS vai além da ocupação de leitos e da falta de controle em relação ao tempo de permanência deles na unidade. Em meio à discussão do problema, vem à tona algo ainda mais grave: a falta de critérios da Justiça na hora de encaminhar o detento, colocando em risco pacientes e funcionários. O caso de D., 23 anos, ilustra a situação. Em novembro, ele assassinou com requintes de crueldade a madrinha Dora Lúcia de Abreu Rangel, 75, mulher que o acolheu quando bebê e o criou como filho até a idade adulta. No início de junho deste ano, foi julgado e absolvido, porque a Justiça entendeu que ele sofria de distúrbios mentais. Na sentença, o juiz foi categórico ao determinar que D. fosse “submetido à medida de segurança de internação por prazo indeterminado, a ser cumprido por, no mínimo, três anos, em estabelecimento psiquiátrico adequado até a cessação da periculosidade do agente.” A notícia da transferência de D. para o HPS revoltou o artista plástico R., 50, filho da vítima. Temendo pelo que possa acontecer, ele desabafa: “Estou correndo risco de vida. Minha família está correndo risco de vida.”
- Tribuna: Em algum momento, ele foi para hospital psiquiátrico?- R: Ele chegou a ir para o Hospital dos Toxicômanos. Fiquei revoltado.
- Há quanto tempo ele está no HPS?- Que eu liguei para lá já tem quase um mês. De vez em quando, ligo para saber onde ele está. Meu advogado me aconselhou isso, porque sou uma vítima em potencial. Acho que ele não está cumprindo a pena como deveria. Se é louco, o juiz que entendeu isso e deu aquela sentença tem que arrumar uma vaga em um hospital psiquiátrico.
- Pelo histórico de D., você acha que ele está colocando em risco a segurança de quem está no HPS?- De todo mundo. Se ele matou a minha mãe, que dizia que amava...Ele começou a matá-la na cozinha e terminou no corredor. Ele ainda levantou a anágua dela e a deixou em posição vexatória. Minha mãe o criou como se fosse um filho (mostra foto do batizado). Deu cinco facadas em cada olho, cortou a jugular, perfurou a orelha com chave de fenda. Havia tantos golpes no corpo que não teve como contar. Foi na virilha dela e cortou a veia. Ela perdeu todo o sangue. Quando tinha 12 anos, comeu duas páginas da Bíblia em plena sala de aula. A partir desta idade, foi se transformando. Ele é perigoso.
- Você se sente ameaçado?- Sim. Estou infeliz para o resto da vida. Nunca mais serei a pessoa que eu era. Não consigo trabalhar, só durmo com remédios.
- Como se sente, na condição de filho da vítima, com o fato de D. não estar cumprindo o que a Justiça determinou?- Fico revoltado. Ele não está pagando da maneira como determina a sentença. Hospital é para doente. Ele o que é? Psicopata, esquizofrênico? Então que vá para um hospital psiquiátrico, conforme assinei o laudo de sentença do juiz. Estou correndo risco de vida. Minha família está correndo risco de vida. Ele vai ficar lá até quando?
* colaborou Fernanda Sanglard
“Eu saio de casa todos os dias temendo pelo que pode acontecer comigo ou com colegas de trabalho durante o expediente. O medo reina. Somos obrigados a enfrentar, sem direito de escolha, um clima de presídio”. É assim que um médico do Hospital de Pronto Socorro (HPS) define sua rotina de trabalho, diante da imposição do Judiciário de transferir presos com necessidade de tratamento para a unidade. Rodeado de outros profissionais, no terceiro andar, onde mais de 50% das vagas da enfermaria masculina são ocupadas por detentos, ele é mais um dos que reclamam do ambiente de trabalho e dos prejuízos para a população com esta superlotação. Entre os 32 presos que ocupam os 62 leitos masculinos, estão acautelados de altíssima periculosidade, conforme classificação da Justiça que os enviou para tratamento. Há psicopatas, envolvidos em crimes hediondos e assassinos confessos, como D., de 32 anos. Ele matou a madrinha que o criou, com requintes de crueldade, e ameaçou o filho da vítima, que vive apreensivo com a possibilidade de fuga do acautelado, já que cinco escaparam nos últimos tempos. Um enfermeiro compartilha da mesma preocupação: “Tenho medo de ser feito refém em uma próxima.”
Acuados, os profissionais só atendem os presos em grupo, com receio de ataques ou pressões psicológicas. “Já houve tentativas de agressão. Eles fazem ameaças e ‘jogam’ com o equilíbrio da gente”, ressalta uma enfermeira. Os 32 presos são escoltados por seis homens e um inspetor. O número de agentes, determinado pela Justiça, é considerado aquém do necessário pelos profissionais de saúde. Em ações, como deslocamento do presídio até o hospital, a Lei de Execuções Penais determina dois agentes por acautelado. “Já houve quebradeira, e os agentes tiveram dificuldade para detê-los”, destaca uma assistente social. Outro problema é o desconhecimento, por parte da instituição, do tipo de crime cometido por cada detento. Como ressalta o diretor geral do HPS, Geraldo Luiz Dilly, eles recebem apenas a medida preventiva com a ordem judicial de internamento, sem o histórico do novo paciente. “Poderíamos separar os mais perigosos, ou nos prepararmos melhor para algum atendimento.”
Secretaria vai avaliar caso a casoApesar da rotina de medo vivida pelos profissionais de saúde do HPS e dos impactos causados no atendimento à população consequentes da superlotação da enfermaria da unidade, a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) afirma que os presos precisam continuar no hospital. Em nota, o subsecretário de Administração Prisional de Minas Gerais, Genílson Zeferino, destaca a proibição, por meio de lei e de decreto estadual, da construção de novos leitos para tratamento de pessoas com transtorno mental, como uma das justificativas para a grande ocupação do HPS por detentos. No hospital, praticamente todos os acautelados internados estão em tratamento psiquiátrico. Genílson também destaca que está sendo constituída uma equipe multidisciplinar e interinstitucional que irá avaliar caso a caso dos presos doentes do HPS, para, a partir daí, devolver os presos para as prisões ou para as unidades penais hospitalares. “A situação de Juiz de Fora é atípica na medida em que a média de demanda por internação de presos por determinação judicial é muito mais elevada que em outros municípios de Minas.”
Rebatendo a crítica de funcionários, a secretaria classifica a ocupação do HPS como segura e afirma que todos os procedimentos estão sendo cumpridos. Já o juiz da Vara de Execuções Penais, Amaury de Lima, responsável pela determinação do número de agentes que faz a escolta dos presos no HPS, está de licença médica e preferiu não comentar o assunto. Amaury também tenta angariar um mutirão de médicos psiquiatras para nova avaliação dos detentos e possível transferência dos mesmos. Até ontem, não haviam nomeações formais. Na segunda-feira, a secretária de Saúde, Eunice Dantas, prometeu o envio de um profissional do município para este projeto.
Propostas de saída dos presos serão avaliadas pela SaúdeNa tentativa de resolver o problema da superlotação de presos no HPS, algumas propostas vêm sendo apontadas. A secretária de Saúde, Eunice Dantas, disse que a pasta avalia uma oferta da Casa de Saúde Aragão Villar de abertura de nova ala para tratamento de detentos com problemas psiquiátricos. No entanto, não sabe se, legalmente, este tipo de convênio, que aconteceria via Estado, é possível. Já o Fórum de Direitos Humanos de Juiz de Fora entregará, a Secretaria de Saúde, um pedido de transferência dos detentos de outras cidades que hoje são tratados no Hospital de Toxicômanos. “A situação ficou caótica. Por isso entendemos que cada município deve arcar com seus presos doentes. A intenção é liberarmos vagas no Toxicômanos para a transferência dos acautelados do HPS”, afirma Cristina Guerra, membro do fórum e da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da OAB.
O Sindicato dos Médicos promete encaminhar denúncia ao Ministério Público. “Esta situação começou a se agravar no segundo semestre do ano passado e, agora, tomou uma proporção que não dá mais para continuar. A segurança dos funcionários está comprometida com a superlotação. É claro que os presos têm direito ao atendimento, mas não naquele espaço.”
Como a Tribuna já denunciou, cerca de 20 cirurgias eletivas realizadas, por semana, no HPS, estão temporariamente suspensas pela falta de leitos na enfermaria masculina. Pacientes com tuberculose também são tratados sem isolamento, por falta de quartos, descumprindo padrões da Organização Mundial de Saúde (OMS).
ENTREVISTA/R., artista plástico
A polêmica em torno dos presos que estão no HPS vai além da ocupação de leitos e da falta de controle em relação ao tempo de permanência deles na unidade. Em meio à discussão do problema, vem à tona algo ainda mais grave: a falta de critérios da Justiça na hora de encaminhar o detento, colocando em risco pacientes e funcionários. O caso de D., 23 anos, ilustra a situação. Em novembro, ele assassinou com requintes de crueldade a madrinha Dora Lúcia de Abreu Rangel, 75, mulher que o acolheu quando bebê e o criou como filho até a idade adulta. No início de junho deste ano, foi julgado e absolvido, porque a Justiça entendeu que ele sofria de distúrbios mentais. Na sentença, o juiz foi categórico ao determinar que D. fosse “submetido à medida de segurança de internação por prazo indeterminado, a ser cumprido por, no mínimo, três anos, em estabelecimento psiquiátrico adequado até a cessação da periculosidade do agente.” A notícia da transferência de D. para o HPS revoltou o artista plástico R., 50, filho da vítima. Temendo pelo que possa acontecer, ele desabafa: “Estou correndo risco de vida. Minha família está correndo risco de vida.”
- Tribuna: Em algum momento, ele foi para hospital psiquiátrico?- R: Ele chegou a ir para o Hospital dos Toxicômanos. Fiquei revoltado.
- Há quanto tempo ele está no HPS?- Que eu liguei para lá já tem quase um mês. De vez em quando, ligo para saber onde ele está. Meu advogado me aconselhou isso, porque sou uma vítima em potencial. Acho que ele não está cumprindo a pena como deveria. Se é louco, o juiz que entendeu isso e deu aquela sentença tem que arrumar uma vaga em um hospital psiquiátrico.
- Pelo histórico de D., você acha que ele está colocando em risco a segurança de quem está no HPS?- De todo mundo. Se ele matou a minha mãe, que dizia que amava...Ele começou a matá-la na cozinha e terminou no corredor. Ele ainda levantou a anágua dela e a deixou em posição vexatória. Minha mãe o criou como se fosse um filho (mostra foto do batizado). Deu cinco facadas em cada olho, cortou a jugular, perfurou a orelha com chave de fenda. Havia tantos golpes no corpo que não teve como contar. Foi na virilha dela e cortou a veia. Ela perdeu todo o sangue. Quando tinha 12 anos, comeu duas páginas da Bíblia em plena sala de aula. A partir desta idade, foi se transformando. Ele é perigoso.
- Você se sente ameaçado?- Sim. Estou infeliz para o resto da vida. Nunca mais serei a pessoa que eu era. Não consigo trabalhar, só durmo com remédios.
- Como se sente, na condição de filho da vítima, com o fato de D. não estar cumprindo o que a Justiça determinou?- Fico revoltado. Ele não está pagando da maneira como determina a sentença. Hospital é para doente. Ele o que é? Psicopata, esquizofrênico? Então que vá para um hospital psiquiátrico, conforme assinei o laudo de sentença do juiz. Estou correndo risco de vida. Minha família está correndo risco de vida. Ele vai ficar lá até quando?
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